Um Olhar Português…* Sobre o novo Brasil empreendedor que nos chega – breves notas e conselhos

Portugal e Brasil são países com muitas semelhanças, mas também com muitas diferenças. Em especial na economia, nas estratégias empresariais
e nos negócios em geral. Estas diferenças são grandes e levam a erros de análise e de ação muito frequentes, tanto de Brasileiros empreendendo em Portugal, como de Portugueses investindo no Brasil.

Quais são os mais frequentes:

A maior diferença reside na dimensão do país, na população e no tamanho do mercado. Os brasileiros estão habituados a pensar e a escalar o mercado em milhões; Em Portugal, pelo contrário, tudo se pensa em dezenas, centenas ou milhares. No Brasil, a conta é sempre de hipermercado, enquanto que em Portugal tem que ser de boutique ou de mercearia. Isto leva a que os portugueses quando chegam ao Brasil tenham dificuldade em escalar rápido e em grande o seu modelo de negócio, e que os Brasileiros fiquem desapontados pela forte concorrência ou diminuto mercado em Portugal. A dimensão continental do Brasil são sempre os 210 milhões de habitantes, contra os 10 de Portugal. 21 vezes maior. Dimensionar o mercado e o negócio é fulcral.

O Brasil, mais que um país, é um “Continente” federal, cuja organização
se faz por União Federal /Estados / Municípios. Cada Estado equivale a um país, com o seu Governo, legislação, tributos e administração própria. Portugal, pelo contrário, é um país muito centralizado, resumindo-se a Governo Central e Municípios.

O fato de termos uma Língua comum ajuda, mas também causa frequentes erros de compreensão. Não apenas das gírias que fazem anedotário, mas nas expressões comerciais, técnicas e jurídicas totalmente diferentes. Uma infinidade de termos e expressões como o parcelado (Pagamento a prestações), Ofício de Notas (Notário), Precatórios (dividas do Estado aos cidadãos), Aposentadoria (Reformas), Particular (Privado), cheque especial (descoberto autorizado), Junta Comercial (Conservatória Registo Comercial) que induzem em erros frequentes nas interpretações. Parece tudo similar e na verdade é tudo diferente e com detalhes muito importantes.

Outros pontos fulcrais são a taxa de inflação e a taxa de juro bancária. O meu pai tinha um comércio em Braga há décadas e vendia a prestações (parcelado), pois a inflação era alta e não havia crédito ao consumo. Alta, chegou a 27%, nada que se compare com os 1.000% prévios ao plano real.
Apesar da taxa de inflação estar controlada no Brasil (4% este ano), o crédito ao consumo tem taxas absurdas que podem chegar aos 300%, e o crédito a empresas, do tipo PME, faz-se na casa dos 2824% ano. Por isso é que no Brasil tudo se vende em prestações e as próprias empresas financiam os clientes na compra no prazo de pagamentos, e,pela dimensão, muitas delas financiam-se nos mercados de capitais, em São Paulo ou noutras praças mundiais. Em Portugal, depois da entrada no Euro, o crédito ficou abundante e barato, logo, como financiar a compra não é problema, nem as empresas têm taxas de juro acima de 7% ano. A ilusão monetária do baixo juro pode levar a compras em excesso na Europa, onde ninguém precisa de ter “stock”. Já no Brasil, quem não tem “estoque”, não vende.

A questão logística é um ponto fulcral. Em Portugal, as empresas
fecham os “contentores” nas sextas-feiras e na segunda-feira seguinte a carga está do outro lado da Europa, na Alemanha. No Brasil, muitas empresas das regiões Sul e Sudeste recusam vender “containeres” para Norte e Nordeste…são dias de frete, seguros que ninguém cobre e cargas que se perdem. Enquanto um Brasileiro com um negócio em Portugal consegue garantir entre 24 horas em Espanha e 48 horas pela Europa, no Brasil ninguém consegue garantir estes prazos. Para os Brasileiros, o conselho é: pensem logo na Europa. Para os portugueses… foquem Estado a Estado. Cada um com sua logística.

A fiscalidade é outra enorme diferença. Os brasileiros queixam-se, com alguma razão, dos elevados e confusos tributos. Mas é preciso esclarecer que no Brasil a maior carga fiscal das empresas está ligada aos encargos trabalhistas e previdenciários (segurança social e taxa social única em Portugal) e aos impostos à importação, que são pesados, com o ICMS (IVA) pago à cabeça. Mas em tudo o resto a carga tributária em Portugal é mais alta. O empresário em Portugal tem dupla tributação dos rendimentos e no Brasil não (foi tema de campanha eleitoral que Ciro Gomes propunha mudar). Em Portugal, cada empresa tem que pagar um mínimo de imposto e não existe um regime simples (no Brasil fixa os tributos a pagar pelos micro e pequenos empresários como percentual de faturação e engloba a segurança social e taxa social única). Não existem planos parcelados (prestacionais) de pagamento de dívidas fiscais em Portugal, nem real recurso hierárquico na Administração Tributária. Não vos quero desiludir, mas comecem por falar com especialistas e peçam desde logo o acesso ao Regime Fiscal de Residente Não Habitual para fixarem os vossos tributos futuros em Portugal.

O tempo é também um valor diferente entre Portugal e Brasil. Não a noção temporal do “baiano” ou “paraíba” do anedotário do sudeste, mas do tempo de resposta que em metrópoles como São Paulo, Rio, Belo Horizonte ou Curitiba, é imediato. São os serviços de resposta online, 24 horas, orçamentos via Whatsapp, entrega expressa, algo a que Portugal se vai acostumando e onde residem oportunidades para os Brasileiros. “Tempo é dinheiro” no Brasil.

Além deste “tempo”, há uma cultura de negócios muito distinta. Portugal é um país formal, onde o fato (terno) e gravata, as reuniões marcadas com antecedência, os emails e os Doutores e Engenheiros ainda são regras de etiqueta. Nada disso ocorre nas grandes metrópoles do Brasil. O acesso a um CEO, quando acontece, é mais fácil e menos formal que em Portugal e
é mais rápido o sim ou o não. Em Portugal, por educação e cultura, isso não ocorre. Demora mais a conseguir falar-se com as pessoas certas e há toda uma cultura de e-mail e organização e de reuniões (em excesso) até se chegar a uma conclusão e a um negócio.

Do lado brasileiro prevalece a influência norte americana da rápida resposta do “keep it simple”, do lado português temos, para o bem e para o mal, a “organização” alemã. Os brasileiros não entendem a linguagem simpática e polida dos portugueses. Muitas vezes dizem que não sem dizerem nunca que não. Os pormenores estão nos detalhes das conversas e
das linguagens e no meio da simpatia e da liturgia. Os brasileiros ficam com a ideia que têm ali portas abertas e vendas prováveis rápidas, quando, com sorte, apenas estão a entrar num processo de validação de possível fornecedor.

A interatividade e a resposta pronta, a pronta entrega, são pontos fortes dos empreendedores brasileiros, e a capacidade de comunicação e resposta rápida ao cliente são características que podem ser diferenciadoras em Portugal. Mas não esperem facilidades, para além da simpatia e do carácter acolhedor, genuínos do povo português.

Joaquim Álvaro Rocha R. da Cunha
Economista e Administrador
jrochacunha@gmail.com

Jornal Olhar

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