Você está pronto?

• Rodrigo Cruz •

Do miúdo que gostava de confusão a um dos maiores árbitros de MMA do mundo. Conheça a história de Cezani Moutinho.

Era uma vez, um miúdo criado em um bairro de classe média alta na cidade do Recife, no Brasil. Filho de pais separados desde seu primeiro ano de vida, teve uma infância conturbada. Criado pela avó materna e por tios, arrumava brigas costumeiramente por onde passava, repetiu o terceiro ano por três vezes e foi apresentado às artes marciais como uma tentativa de manter-se calmo. O tal miúdo tornou-se Cezani Moutinho, um dos árbitros de MMA mais respeitados do mundo, e hoje vive em Braga, com a missão de transformar o esporte em Portugal.  Esse texto não é um conto de fadas, mas merece, sim, iniciar e encerrar seu parágrafo de apresentação com o famoso “era uma vez”…

Quando pequeno, Moutinho vivia sob cuidados de babás, uma vez que a sua mãe trabalhava durante todo o dia, a cuidar de uma empresa da família. O fato de não ter convivência com o pai e de ter uma mãe ausente o trouxeram traumas psicológicos que, segundo ele, carrega até hoje. “Quando estava um pouco maior, minha mãe não podia mais me criar, e fui morar com minha avó e alguns tios. Eu me sentia um pouco excluso da família, por trazer uma certa rebeldia. Eu sempre estudei em bons colégios, nunca me deixaram faltar nada, mas não ter meu pai por perto me fez deixar de ter uma referência, que acabou vindo de meus tios”, analisa Cezani.

O primeiro esporte da vida do miúdo foi a natação, mas não por muito tempo. Em sua primeira competição, ficou em último lugar e decidiu que aquele não era o seu lugar. Migrou para o futebol de salão, e foi lá que percebeu seu verdadeiro talento: a luta. Isso mesmo! Eram tantas brigas e confusões ao jogar futebol, que seus tios entenderam que o seu lugar não era em uma piscina e nem em uma quadra, mas sim em cima de um tatame. “Eu estava sempre envolvido em uma briga: no treino de futsal, na aula de educação física, na sala de aula, na saída do colégio… devido a esse comportamento agressivo, entenderam que eu deveria estar em um esporte de luta”. Foi aí que chegou o Judô na vida do pequeno Cezani. “Comecei a treinar com o professor Nagai, e ainda cheguei ao cinturão cor de laranja. Ainda treinei karate, até que, aos 10 anos, em um projeto social, eu vi um ringue de boxe e me encantei. Eu só tinha visto um daqueles na televisão! Passei a praticar a modalidade, como uma paixão que acabou me tomando por completo”.

Com o avançar da idade ainda na adolescência, foi avançando também a sua rebeldia, até o limite de ser expulso de casa. Nessa época, tinha se separado do seu amor, o boxe, e estava vivendo com sua amante, a música. Era vocalista de uma banda de rock. Paralelamente a essa atividade, teve que trabalhar com serviços gráficos para custear a renda de um apartamento e sua alimentação. Após um período, foi demitido e passou a viver tudo diferente do que sempre foi acostumado. “Tive que viver de favor na casa de amigos, e acabei indo morar em uma favela. Saí do luxo para o lixo. Foi aí que voltei a treinar boxe como uma terapia, onde o ginásio era a clínica, os treinos eram os remédios e meus colegas, os terapeutas. Em pouco tempo consegui me reerguer e fui morar em um lugar melhor até do que o que eu vivia antes”, desabafa.

Como um praticante de boxe vira árbitro de MMA?  “Eu estava assistindo um evento de MMA da arquibancada, o Cabo Fight, quando fui chamado pra julgar duas lutas (função de pontuar os vencedores das lutas). Toda a gente sabia que eu treinava boxe e Muai Thai. Depois disso, o árbitro pediu pra eu arbitrar a próxima luta, que seria de um aluno dele. Nunca tinha feito isso, mas tinha curiosidade. Eu já acompanhava árbitros de renome, como Herb Dean, Mario Yamasaki e do Big Joe”. Mal sabia ele que ali nascia o árbitro Cezani Moutinho.

Visionário, Cezani enxergou naquele momento a grande oportunidade de sua vida: trabalhar, enfim, com aquilo que sempre amou. Passou a arbitrar pequenos eventos no interior de Pernambuco, distrito em que nasceu, até que surgiu a chance de trabalhar num evento que iniciou uma trajetória vencedora na região, o GFC, que passou a ser o principal evento da localidade e que o deu confiança, segurança e visibilidade. Foram mais de 50 edições realizadas. Em meio ao trabalho a estar a ser realizado, o árbitro buscou se qualificar e investiu em seminários e cursos em todo o Brasil, sempre aprendendo com os melhores, até que surgiu a oportunidade que mudaria tudo: o convite, após mais uma capacitação, para compor o quadro de árbitros do XFC, evento dos Estados Unidos que desembarcava com muita força na cidade de São Paulo, com transmissão ao vivo para todo o país em TV aberta. Nesse exato momento, Moutinho era apresentado àquele país de tamanho continental.

Para tudo isso acontecer, Cezani Moutinho teve uma grande motivação, sua filha Gigi Moutinho, hoje com 8 anos. “Eu sempre quis dar esse orgulho pra ela, de poder ligar a televisão e ver o pai dela atuando nos grandes eventos, sendo reconhecido. Apesar de não morarmos sob o mesmo teto, eu tenho um amor incondicional por ela, que me faz querer ser, dia após dia, uma pessoa cada vez melhor, pra poder deixar um legado de ensinamento. Isso não tem preço”, se emociona.

Sendo excelente em reconstrução, mais uma vez teve que se reinventar, após o divórcio com a mãe da Gigi. E pra isso, recebeu o apoio de sua atual esposa, Sandra Macedo. Eles se conheceram no ginásio comandado por Cezani, onde Felipe Alves, filho dela, se preparava com o sonho de se tornar um lutador profissional. Se tornaram amigos e, em seguida, ficou notório um sentimento mais aflorado, que os uniu. “Eu vinha de um casamento em que não via mais motivos, estava sem esperanças, sem forças pra seguir adiante, apenas sobrevivendo. Até que encontrei na Sandra um novo sentido para a vida”, revela. Sandra deixa claro o espírito brincalhão do marido: “Cezani é um companheiro divertido e amigo. O admiro muito pelo profissional competente que é e pela sua história de vida e superação que o faz ser uma eterna criança e um homem sonhador”.

Após um sólido trabalho realizado que o colocou no patamar de um dos melhores árbitros de MMA do Brasil, Cezani decidiu vir para Portugal, que ainda vive um processo de iniciação profissional do esporte em questão, para ajudar nesse amadurecimento. “Portugal está vivendo um momento no esporte em que nós já vivemos lá no Brasil há 10 anos atrás, e isso faz com que nossa experiência no desenvolvimento seja importante aqui. Não só eu, mas um grupo de brasileiros renomados estamos aqui e desejamos, de fato, transformar as artes marciais mistas no país, e em breve poder ser referência mundial”.

Cezani Moutinho se preparou para essa luta. E, em breve, toda essa nação também estará preparada para brilhar em mais um esporte.

Jornal Olhar

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