Um café e uma nata
Este é o ditado popular que deveríamos “abraçar” nos dias de hoje. Num tempo em que vigoram os meios de comunicação digitais e redes sociais, em que cada um pretende exibir o melhor de si, nunca estivemos tão iludidos sobre a vida do outro.
Estamos todos na mesma embarcação. Ainda temos problemas, sonhos, ambições, dias fantásticos e dias em que queremos matar-nos somente pelo estado catastrófico do cabelo. Entretanto, no mundo virtual passamos a vida a flutuar entre cenários idílicos, chávenas de cafés aromatizados e companhias espetaculares. Ah, e pronto, tudo isto muito bem melhorado pelos fabulosos filtros dos nossos “smartphnones”. Nossa vida é uma coletânea de fantasias realizadas.
Ou, pelo menos, é o que queremos que toda gente acredite: no palácio das ilusões.
Deixamos nossos seguidores, pretensos amigos e amigas, perplexos com as nossas conquistas. Jamais deixaremos que descubram que aquele belo cabrito do restaurante quatro estrelas Michelin não sabe bem. Jamais saberão que, por trás daquele cenário giro, havia três miúdos a gritar pela mamã e a reclamar que estavam com fome. E que não emagrecemos como vos deixamos acreditar, apenas aprendemos a bater a foto em um ângulo que nos favorece. E, com isso, tornamos aqueles que nos seguem – e deixam-se iludir – a cada dia mais frustrados e insatisfeitos com a própria existência. Considerando-se deslocados e impedidos de serem felizes como nós somos ou aparentamos ser. É como uma bola de neve, sem fim nem objetivo.
O que todas essas artimanhas podem dizer-nos sobre o ser humano atual? Que somos tão inseguros a respeito de nós mesmos que precisamos de vender uma imagem de felicidade? Que estamos tão infelizes e agarrados aos nossos queixumes que procuramos um fio de esperança na vida de outrém nas redes sociais? Por que estamos constantemente com essa sensação adolescente de que algo muito giro está a acontecer em algum lugar para o qual não fomos convidados?
É mesmo isso que toda gente, empresas e pessoas, querem que acreditemos: “há algo fascinante a acontecer perto de si, e tu estás a perder!”
Pois deixem que vos diga: a relva do vizinho não é mesmo mais verde! Se conversamos com estes novos “influencers”, altamente ativos nas redes sociais, veremos que, ainda que tenham realizado muitas façanhas, todos carregam dentro de si um não-sei-o-quê de insatisfação pessoal, de falta. Cientes disto, o segredo da felicidade para 2019 fica-nos muito mais evidente: precisamos desligar-nos da relva do vizinho. Deixar de acreditar que noutras moradias estão a viver uma paz e organização inalcansável, pois isto é apenas fruto da nossa imaginação, infetada por holofotes em fotografias com sorrisos forçados e, muitas vezes, cenários montados.
Artistas e celebridades alardeiam muito as suas vitórias, mas falam-nos pouco sobre as suas angústias, aflições e fraquezas. Todos são “sexys”, íntegros, ocupados, bem-sucedidos e sedutores. Projetam uma autoimagem na qual estão sempre a comemorar grandes celebrações, quando na verdade a festa nem estava tão animada assim.
Precisamos compreender que haverá dias com motivos para dançar sorrindo pela sala e outros para nos refugiarmos em nosso quarto e chorar, alternadamente. A vida real de toda gente é assim. Só que os motivos para chorar raramente são divulgados.
Fernando Pessoa também se sentiu abafado pela suposta perfeição alheia, e em sua época ainda não havia a “overdose” de informações na internet que existe hoje, a vender-nos um mundo de faz-de-conta. Com tudo isso, fica difícil acreditarmos que a nossa vida tem mesmo graça.
Mas tem. E muita!
Cada manhã ao lado daqueles que adoramos, os almoços prolongados, os passeios com o cachorro, as conversas com amigos leais, ouvir a nossa música preferida, ler um bom livro, as nossas desilusões, os nossos recomeços… tudo isso um dia será incluído na nossa biografia. Como, pois, desejamos viver o agora? Agarrados às reclamações, ou ansiosos para desfrutar intensamente o presente?
Devemos amar as nossas experiências, extrair prazer dos afazeres cotidianos, ser gratos por cada momento. A felicidade está mesmo no ponto de vista que cada um escolhe para si. Não passe a vida a pensar que todos estão a realizar muitas coisas interessantes, enquanto só você está sentado no sofá a espreitar uma revista de receitas. Principalmente se a receita que está a ler colocará a sua família em torno da mesa do jardim em um dia de sol.
Não confunda uma vida fantástica com uma vida fantasiosa. Os melhores momentos de 2019 poderão ser criados dentro do seu próprio apartamento, no aconchego da sua família e amigos. Basta decidir que será assim e será.
Feliz ano novo!
Lycia Barros
Escritora e conferencista