Veneno voluntário

Aconteceu na França. Foi lá a última vez em que ainda me vi criando grandes expectativas sobre algo que, a olhos nus, deixou-me com uma careta no rosto e os braços estirados ao lado do corpo. A vida toda eu havia sonhado em conhecer Paris, influenciada pelas milhões de leituras que havia feito sobre mulheres, comida e crianças francesas. Eu pretendia que isso acontecesse no meu aniversário de quarenta anos, foi acontecer no de quarenta e um. Estava ansiosa para conhecer a famosa cidade luz, dar passeios idílicos à beira do Rio Sena, beijar meu marido debaixo da Torre Eiffel e todos aqueles clichês que passamos anos a assistir nos filmes. Entretanto, infelizmente, não foi isso que mais me chamou a atenção quando vislumbrei a realidade parisiense. Após ter conhecido outros países Europeus, incluindo meu amado e belíssimo Portugal, Paris, para mim, foi um caroço a descer pelo pescoço. Mas não estou aqui para detalhar todos os pontos dessa viagem que me desapontaram como turista ( e acredite, a lista seria longa), nem fazê-lo desistir do seu sonho de conhecê-la (pois nosso imaginário sobre a cidade pode ser diferente, e eu voltaria andando de Braga para lá só para rever as obras do Louvre), mas para ressaltar sobre como as nossas elevadas expectativas sobre os outros, sobre as coisas e sobre nós mesmos pode arrancar de nós os benefícios que aquela experiência poderia nos dar.

Isso acontece no começo de um namoro, quando estamos no auge da paixão. Acontece quando conquistamos o emprego dos nossos sonhos. Quando conhecemos aquele amigo que tem tantas coisas em comum connosco que pensamos “gostaria que ele/ela fosse meu irmão”. Quando a gente conhece uma pessoa, construímos uma imagem dela e a bebemos como um veneno. Esta imagem não tem a ver com o que ela é de verdade, tem a ver com as nossas expectativas e tem muito a ver com o que ela “vende” de si mesma. É pelo resultado disso tudo que nos apaixonamos.
Se esta pessoa corresponder à imagem que projetou em nós, no final, sempre sobreviverão as boas lembranças. Mas se esta pessoa “inventou” um personagem e você caiu na arapuca, aí, somado à dor da separação, virá um processo mais lento e sofrido: a de desconstrução daquela pessoa que você achou que era real.

Expectativa. Se eu pudesse definí-la, seria aquela mulher matreira que fica nos mirando da esquina só esperando pelo nosso primeiro esbarrão. Alimentá-la é se arriscar, correr o risco de se decepcionar e não aproveitar o momento presente. A intensidade de nossas decepções está diretamente ligada ao tamanho do prato que servimos a ela todos os dias. Não estou a dizer que não devemos ter esperanças, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Esperança coloca em nós um sorriso no rosto e aquece o coração, a expectativa gera olhos borrados e comprime o estômago. Precisamos ser livres e gratos por tudo que vem à nossa frente, semear sem nada esperar. Tudo que vier será lucro. Isso está diretamente ligado ao quanto você aprendeu a dar sem mandar a conta durante o curso da sua vida. Será que aprendeu a fazer isso? Ou tudo o que faz pelos outros joga na cara depois?

As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui, para satisfazer as dela. Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com alguma coisa ou pessoa você precisa, em primeiro lugar, não depender dela para sentir plenitude. Tudo à nossa volta precisa ser administrado com sabedoria e serenidade. Guarde suas expectativas. Ou, se possível, não as crie. Se você espera muito e nada acontece, você se decepciona. Se você não espera nada e algo acontece, você se surpreende.

Lycia Barros
Escritora e conferencista

Jornal Olhar

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