A medida da morte ou o amor não está à venda

Contabilista de profissão, habituou-se desde novo a medir tudo na proporção das necessidades e do que devia, quer em dinheiro, quer nas emoções. As emoções eram tal como o dinheiro uma moeda de troca, e embora, pelas contas dele fosse cobrador da família no que às emoções dizem respeito, vivia sozinho abandonado pela mulher e pelos filhos que não mais aturavam essa radicalização pelos números e suas contra- partidas, espécie de histeria que tudo controlava em função “do que dou e do que recebo”.

Ficou a viver sozinho no apartamento para o qual tanto trabalhou, e considerou como justa paga pelos anos de colecta da percentagem bancária do seu vencimento mensal. Ficou com as mobílias, que a família não lhe exigiu nada em troca da histeria que aturou. De pijama, em flanela aos quadrados castanhos, desbotado e coçado pelo uso, no meio da sala observa os cadeirões forrados a couro que lhe custaram cerca de dois meses de ordenado. Pela porta entreaberta via a cozinha com electrodomésticos de última geração anunciados há vinte anos atrás e que lhe reclamaram a soma que já não se lembrava mas seriam qualquer coisa como 6 salários desse tempo. Coisa pouca para a ambição de então, mostrar aos amigos que a amizade que lhes cobrava era bem paga na justa medida do conforto que lhes oferecia quando o visitavam! Pelos vistos os amigos não consideraram justo pagamento… Deixaram de o ser, ou pelo menos deixaram de aparecer!

Há 15 anos que a sua vida se dividia entre a cozinha, a sala, o quarto e a saudade da família, da casa cheia de amigos para o qual contribuía mensalmente com cerca de 10% do ordenado. Abriu a janela ampla da sala feita em alumínio duplo, para evitar os ruídos da rua para a qual contribuiu com metade do salário de um mês…Debruçou-se na janela aberta e calculou os metros até à rua, seriam pelas contas dele cerca de 12 metros. Debruçou depois o olhar novamente sobre a sala, as fotos dos filhos em criança… Da mulher ainda nova… Do primeiro neto… De um grupo de amigos no secundário…!

Precipitou-se no salto calculado de uma vez só… Demorou pelas contas dele cerca de dois segundos e meio até bater no calcário frio. Não teve tempo de calcular os metros quadrados de calçada que estragou com a queda!

José Alberto Valente

Jornal Olhar

One thought on “A medida da morte ou o amor não está à venda

  1. A não ser quando se recebe dinheiro de quem nos ama, e se recebe sem intenção de amar! Aí, vale?

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