Adeus, Copa

Rodrigo Cruz

Funchal, Ilha da Madeira. Junho de 1993. Fazia frio naquela manhã de inverno, apesar do sol, que ensaiava um brilho cada vez mais forte. Nunca esquecerei de quando notei aquele garoto de oito anos pela primeira vez. Não tinha lá essas habilidades todas, mas, não sei por que cargas d’água eu notei uma estrela nesse miúdo dos cabelos encaracolados e dentes tortos. Era esforçado, chegava primeiro e saía por último nos treinos no Clube de Futebol Andorinha de Santo António. Afinal, tinha que esperar seu pai, roupeiro da equipe, largar o serviço, para ir para casa. Esse contato diário foi o início de nossa grande amizade. Ou melhor… uma grande história de amor.

Apenas dois anos após nos conhecermos, fomos para o Nacional da Madeira, juntos. O clube era uma vitrine maior para as grandes agremiações portuguesas. Um certo dia, quando chegávamos em sua casa, ele sentenciou à sua mãe, Maria Dolores Aveiro, que um dia seria o melhor jogador de futebol do mundo. Não por acaso, todos os dias ele trabalhava duro para isso acontecer – mesmo sendo apenas um garoto desnutrido, com apenas 11 anos de idade. Tão desnutrido, que seu treinador, preocupado com sua saúde, exigiu falar com seus pais, pois “não era comum uma criança tão magra”. O clube passou dar-lhes sanduíches ou sopa sempre após os treinos.  

Sabe, uma lembrança que não sai da minha mente, ainda na época do Nacional, é de quando nós íamos treinar, só nós dois, tarde da noite. A sua mãe não se importava, mas nós criamos má fama na rua Quinta do Falcão, pois fazíamos muito barulho e, por vezes, quebrávamos algumas vidraças. Ossos do ofício. Se os vizinhos não entendiam, o problema não era nosso.

A sua evolução era constante, e aos 12 anos ele foi contratado para as categorias de base do Sporting, maior clube de Portugal. Deixar a família foi um parto, mas seu sonho falava mais alto e Lisboa foi seu destino. Dona Dolores, sua mãe, constrangida de que o filho chegasse ao continente com roupas velhas e remendadas, comprou um conjunto composto por calça, bermuda e camiseta, para que ele causasse boa impressão.

Começava aí uma história de sucesso e nós cada vez éramos mais inseparáveis. Mexeu com um, mexeu com o outro. O futebol era sua única chance e não tinha outra opção senão a de seguir em frente, mesmo com a saudade que sentia da família e com o bullying que sofria por causa do seu sotaque e por ser tão pobre. Sempre tinha que levar o lixo para fora após os treinos, em um carrinho de lixo que os jogadores maldosamente apelidaram de “Ferrari”. Me lembro bem quando um jogador passou pelo gajo e bradou: “Olha lá você mais uma vez indo embora com sua Ferrari”. Não demorou para responder:  “Podes gozar o que quiseres, mas um dia vou ter a minha própria Ferrari de verdade, vais ver”.

O garoto passou por mais dificuldades quando, aos 15 anos de idade teve que enfrentar uma cirurgia cardíaca para tratar de constantes taquicardias, que poderiam encerrar sua carreira que mal começara. Esse foi um dos maiores adversários que venceu, e em poucos dias já me reencontrou nos treinos.

No ano de 2001 já veio a primeira convocação para a seleção de base de Portugal. Mais do que isso: o Menino da Madeira foi o primeiro jogador a vestir a camisa das categorias sub 16, 17, 18 e principal do Sporting em uma única temporada. Não bastasse isso, aos 18 anos, na vitória por 3 a 1 do seu time em cima do Manchester United, chamou a atenção não só do treinador da equipe inglesa, Sir Alex Ferguson, como de toda a equipe, que pediu sua contratação. Foram atendidos e, no mesmo ano, foi contratado por 15 milhões de euros. Foi na Inglaterra que conquistou pelas três primeiras vezes a Premier League e foi eleito o melhor jogador do mundo aos 23 anos.

O menino já era uma estrela mundial quando foi vendido ao Real Madrid, em 2009, na maior transferência da história até então: 94 milhões de euros. Saiu barato, acredite. Ele se destacou em um time de galácticos e já em sua primeira temporada se tornou o primeiro jogador a marcar gols nas quatro primeiras partidas da Liga dos Campeões. Em 2011 já era dono de tudo e se tornou o maior goleador do Real em uma única temporada, com 53 tentos, e também o maior artilheiro da Liga, com 40 gols. No ano seguinte, quebrou seus próprios recordes, ao marcar 60 e 46, respectivamente.

Até 2018, ganhou todos os títulos que podia com o clube, além da inédita Eurocopa, em 2016, com a seleção portuguesa. Ainda foi eleito mais quatro vezes o melhor jogador do mundo. Participou de quatro Copas do Mundo, tendo marcado gols em todas elas e levando Portugal ao quarto lugar no Mundial de 2010.

A Copa do Mundo da Rússia, em 2018, teve todos os holofotes virados para ele – que novidade! – e como seria sua participação à frente de uma seleção que era incógnita. De cara, marcou três gols diante da Espanha, no empate de 3 a 3, em uma partida que ele foi simplesmente impecável. Também marcou contra o Marrocos na partida seguinte, se tornando o jogador europeu com maior número de gols pela sua seleção (oito até então). Em ambos os jogos, foi eleito o melhor jogador em campo, atuação que não repetiu no empate contra o Irã e na derrota para o Uruguai nas oitavas de final. Apesar da eliminação precoce, nosso craque chamou a responsabilidade para si e ainda foi eleito um dos melhores jogadores do Mundial e um dos três melhores da temporada. Ele tem consciência de seu papel na formação dos futuros craques do país, em uma seleção jovem que pode surpreender mais uma vez nos próximos anos.

Fora dos campos, o gajo também se tornou um grande campeão. Segundo a ONG “Athletes Gone Good”, ele é o atleta que mais faz caridade no mundo todo! Que orgulho! De milhões de euros para reconstrução de escolas na faixa de Gaza, ajuda humanitária no Afeganistão, pagamento de cirurgias para crianças até dezenas de outros casos que o craque não divulga.

Aquele garoto da Ilha da Madeira hoje é do mundo e inspira milhares de pessoas diariamente a serem melhores. Aquele garoto que andava com roupas surradas e rasgadas hoje é um dos homens mais fashion do planeta, com peças valiosíssimas em seu guarda-roupas. Aquele garoto que era humilhado ao levar o lixo pra fora em um carrinho apelidado maldosamente de Ferrari, hoje em dia tem uma coleção de carros esportivos, inclusive Ferraris. Aquele garoto que sofria bullying e passava tanta necessidade, hoje ajuda pessoas como pode.

Aquele garoto é Cristiano Ronaldo, o jogador de futebol mais incrível que já pisou na face da Terra, e eu tenho o maior orgulho do mundo em tê-lo como o amor da minha vida, e sei que isso é recíproco.

Assinado: A bola

Jornal Olhar

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