Rio: entre a elite, o subúrbio e o morro, a Cidade Maravilhosa

Na primeira coluna abri este espaço a dizer como o cinema é capaz de nos transportar para diferentes épocas e realidades. E se eu lhe dissesse, caro leitor, que ele é capaz de nos levar a muitos sítios que, no fim, fazem todos parte de um mesmo sítio?

É, eu sei, ficou confuso. Eu também me sinto bastante confuso quando paro para olhar o retrato feito do Rio de Janeiro no cinema. A vida da “Cidade Maravilhosa” no cinema é longa e cheia de altos e baixos.

Talvez o que mais inspire os realizadores a filmarem na capital carioca sejam as muitas contradições presentes ali. A começar pela geografia: a cidade é litoral, mas cercada de morros. Têm prédios altos e modernos ao lado de reminiscências da época colonial. Tem luxo, um dos metros quadrados mais caros do planeta, a poucos quilómetros de favelas que carecem de tudo. Desse caldo cultural, ao mesmo tempo alegre e conflituoso, conseguimos recortes completamente diferentes de um mesmo povo. 

Entre 2006 e 2007, três das maiores bilheterias do Brasil retratavam o Rio de maneiras muito distintas. O primeiro, “Se eu fosse você”, uma comédia com grandes nomes das novelas da Rede Globo. Quem assiste às cenas do filme de Daniel Filho acompanha um pouco as desventuras da classe média-alta carioca. A cidade retratada é muito parecida com a que estamos habituados a ver nas novelas, sempre cheia de sol e de bom humor. Quem assiste “Se eu fosse você”, além de dar umas gostosas risadas, pode vir a pensar que o principal problema do Rio de Janeiro é o congestionamento de automóveis.

O segundo filme, “A Grande Família – O Filme”, é outra comédia, mas que mostra outra fatia da cidade, menos refinada mas igualmente alegre. A película, inspirada numa série exibida na televisão brasileira durante décadas, apresenta um Rio de Janeiro suburbano e muito menos endinheirado que o filme anterior. O realizador, Maurício Farias, oferece ao público um retrato do cotidiano de uma classe mais popular, mas ainda numa realidade bem diferente das favelas. É um Rio de Janeiro do qual você, caro leitor português, vai ouvir o seu colega carioca falar com saudade.

Por fim, temos “Tropa de Elite”, um filme que mostra as feridas mais dolorosas que seguem abertas no Rio de Janeiro. Embora a obra seja ambientada no final dos anos 90, o realizador, José Padilha, foi capaz de retratar problemas sociais agudos na realidade carioca que persistem até hoje. Já não era novidade no cinema brasileiro contar histórias que expusessem a dura e violenta realidade das periferias da cidade maravilhosa, é verdade. Mas o mérito de Padilha foi tentar explicar o inexplicável. “Tropa de Elite” mostra um Rio angustiante, onde a violência assombra e causa crises de ansiedade até mesmo no Capitão Nascimento.

Talvez se pergunte qual desses três “Rios” é real. Ou talvez tenha outras tantas referências, que vão da cidade caótica retratada em “Central do Brasil” à boémia de “E aí… Comeu?”. Para mim, essa pergunta é apenas um dos encantos mil de uma cidade que segue maravilhosa.

Daniel Schiavoni é jornalista e mestrando em Comunicação, Arte e Cultura na Universidade do Minho

Jornal Olhar

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