Saidatina Khady Dias
Mediador Municipal e Intercultural de Braga
Não podemos encarar a mediação sem antes definir o contexto multicultural em que estamos inseridos. Sendo Braga uma cidade cosmopólita onde convivem mais de 118 nacionalidades como na freguesia (São Victor por exemplo), torna-se um desafio constante para nós mediadores interculturais actualizar não só os nossos conhecimentos sobre a realidade local, mas também criar as condições para fomentar o diálogo entre pessoas de culturas diferentes e apoiar o processo de integração das comunidades mais vulneráveis.
A realidade específica de Braga quanto ao saldo migratório dos últimos tempos, leva muitos imigrantes em via de legalização a solicitar os nossos serviços para fazer a ponte entre eles e os profissionais dos serviços públicos como : a segurança social, as finanças, o SEF ou o centro de saúde.
O tempo da crise sanitária que estamos a viver e as suas exigências circunstanciais vieram reduzir o diálogo e as interações físicas entre pessoas e serviços públicos numa troca virtual distante e constrangedora para alguns.
Nesse sentido, as comunidades imigrantes que aguardavam por um título de residência sofreram o primeiro impacto da crise, pois como medida de precaução contra a covid-19, houve o encerramento temporário de empresas. Muitas destas ligadas à restauração,ao comércio a retalho, aos serviços e ao turismo ; segmentos económicos que nos últimos tempos atraíram mão-de-obra imigrante.
Esses imigrantes, embora com descontos regulares na segurança social, sentiram-se mais vulneráveis sabendo que podiam ficar sem emprego do momento para outro e não estavam protegidos pelo Estado com o título de residência válido.
Consciente da precariedade da situação social e laboral dos imigrantes durante o estado de emergência e por razões humanitárias, o Estado português decidiu regularizar por tempo determinado todos os imigrantes e refugiados cujos pedidos de residências estavam pendente no SEF.
A medida traduzida pelo despacho 3863-B/2020 de 27-03 traz um caráter solidário e humanitário ao garantir o acesso aos mesmos direitos que todos os outros cidadãos, incluindo os apoios sociais e os cuidados de saúde.
Aliás, o “modelo português” de regularização temporária dos imigrantes foi muito aplaudido e teve uma grande repercussão na imprensa internacional nomeadamente nos países de origem dos imigrantes que escolheram Portugal para viver.
Todavia, dentro da comunidade imigrante com manifestação de interesse pendente de decisão temos que sublinhar a situação sempre precária das seguintes categorias :
- Os imigrantes estudantes
- Os imigrantes que têm dificuldade em fazer valer os seus direitos por trabalharem para patrões menos escrupulosos que não entregaram às instituições os descontos feitos pelos trabalhadores.
- Os imigrantes que dependem da economia informal como os feirantes. Nessa categoria se encontram a comunidade local da etnia cigana e a maior parte dos imigrantes africanos de expressão francófona.
Enquanto mediador, os constrangimentos sentidos para auxiliar esses últimos no acesso aos apoios sociais, são inúmeros.
Em primeiro lugar, a distância física entre o mediado e o mediador causa estranheza, nomeadamente quando o mediado não domina a língua portuguesa ou sente dificuldade com o manuseio da ferramenta informática.
As circunstâncias extraordinárias em que nos encontramos exigem o atendimento à distância e estabelecer a ponte entre a pessoa e os serviços públicos sempre numa plataforma on-line. Por exemplo, os pedidos de apoios sociais dirigidos à segurança social implicam necessariamente a inscrição do interessado na plataforma da segurança social directa. Essa barreira “administrativa” (burocrática) difícil de ultrapassar só é possível se houver uma confiança depositada no mediador porque ele terá acesso aos dados pessoais do interessado para pedir a senha da segurança social directa.
Em segundo lugar, antes de iniciar o processo de inscrição da pessoa à segurança social directa é preciso ver se cumpre todos os requisitos que lhes dão direito aos apoios. Caso o requerente não preenche todos os requisitos torna-se muito difícil para nós explicar à pessoa que não tem direito a este apoio quando tudo na situação da precariedade em que se encontra indique o contrário.
A nossa capacidade de adaptação à nova realidade nos levou a adoptar outras formas e meios para orientar os membros de comunidades imigrantes e da etnia cigana que nos têm solicitado. No que diz respeito aos apoios alimentares disponibilizadas pelo município de Braga e pelas instituições de caridade, temos feito a ponte entre essas comunidades e às instituições dando toda informação necessária para que uma ajuda alimentar possa ser encaminhada para eles.
Em conclusão o maior desafio da mediação em tempo de crise está ligado à nossa capacidade de resistir ao contágio emocional e a adaptar toda a actuação às exigências do momento, tendo sempre em conta a velha máxima de que não somos a solução aos problemas dos outros nem tão pouco devemos assumir uma responsabilidade que não é nossa.
Sim deve-se mostrar empatia e simpatia, oferecer uma escuta sincera mas não se envolver em excesso num contágio emocional que nos leva a pensar que temos que resolver tudo de qualquer jeito. É nesse sentido que a psicologia do desenvolvimento pessoal nos previne lembrando que a ilusão de poder resolver os problemas do outro infla em muito o nosso ego.
(Enxerto da intervenção no COLÓQUIO INTERNACIONAL DE MEDIAÇÃO EM 3D – Diversidade, Diálogo e Desenvolvimento)