Os Novos Loucos

O sonho de Portugal nunca esteve tão distante dos cenários idealizados por muitos dos meus compatriotas e, no entanto, nunca tão perto de nos ajudar a descobrir o que realmente importa na vida. Salvo os aposentados, empresários, e aqueles que desistem, o cenário dos resto dos imigrantes é mais ou menos assim: amiga formada em pedagogia que resolveu largar tudo para trabalhar em uma loja de shopping; amigo com cargo fantástico em empresa multinacional que resolveu pedir as contas porque descobriu que seria feliz guiando passeios turísticos; conhecida advogada que jogou escritório para o alto, abriu mão de todas as regalias que tinha no Brasil,
para abrir um hostel e começar tudo do zero em uma aldeia onde Judas perdeu as botas. casal que vendeu tudo e veio morar em uma caravana e agora está a vender legumes biológicos.

Sim, há loucos para tudo. E essa é a beleza da vida. Aqueles que desejam, mas ainda não tiveram coragem, de correr todos esses riscos, dizem logo mais ou menos assim: “Quero ver quanto tempo eles vão aguentar sem ganhar um bom salário, nem pedir ajuda a ninguém.” Estes nunca vão entender. Não adianta mesmo explicar. É deitar saliva fora.

Quando chegamos a Terra Prometida, aquela com o qual tanto sonhamos (seja ela onde for), a intenção é queimar o barco. Saímos em busca da qualidade de vida que, infelizmente, não encontramos em nosso próprio país. Não nos importamos de ficar sem carro por algum tempo (temos ótimos transportes públicos), nem de dividir apartamento com mais 3 amigos ( pois com isso aprendemos a respeitar o espaço dos outros), abrimos mão de certos luxos que nos escravizavam (e descobrimos que
podemos viver perfeitamente sem eles), não ligamos de viver com dinheiro
contado (desde que possamos desfrutar do tempo livre em um piquinique, sem medo de ser assaltado).

O que nenhum desses imigrantes aguentava mais era a baixa qualidade de vida. Duas gerações atrás, o modelo de uma vida de sucesso era uma família bem estruturada. E, mesmo assim, a geração que os sucedeu foi a do divórcio.

Então, nossos pais encontraram outro modelo de sucesso: a carreira. Estudaram feito loucos, buscaram boas universidades, abriram negócios, prestaram concurso, ficaram competitvos, suaram a camisa. Pessoa bem sucedida era aquela que deu certo na carreira. E o resultado disso tudo foi um avanço significativo na indústria de antidepressivos.

Mas, e agora? Como é que esta geração metrifica o sucesso?

Vivemos uma crise existencial. Uma quebra. Os jovens de hoje não querem mais investir muito tempo em uma carreira. Querem criar aplicativos. Falar outras línguas. Viajar pelo mundo. Ser Youtuber ou qualquer tipo de influenciador digital. Querem trabalhar pela Internet. E sim, trabalhando duro, mas sempre a equilibrar tudo isso com tempo para as outras coisas boas da vida. Querem ser produtivos, sem perder o foco nos que lhes é essencial. São mais minimalistas. Buscam prazer nas atividades cotidianas. Deslocam-se de bicicleta. Descobriram que não precisam ser executivos de sucesso para serem felizes, que uma pessoa pode ser feliz dando aula de teatro e morando em um T0.

Uma geração que valoriza mais o amor, o tempo, os amigos e a família.

E bem assim também são os imigrantes, não importa a idade. Aqueles que ficam e se reinventam, não estão mais iludidos de que o sucesso de uma vida se mede pela conta bancária, e sim no rosto corado e de quem fez escolhas felizes e pode comer uma cesta de frutas modesta debaixo de uma oliveira, a margem do Rio Tejo. Ele sabe que não adianta ter dinheiro a sobrar e tempo a faltar. Apartamento fantástico e colesterol alto. Preferimos uma casinha alugada e uma horta na janela. Sucesso não é ver o filho voltando da melhor escola da cidade em um carro blindado, é sim caminhar de volta com ele da escolinha do bairro, tomando um gelado.

Aqueles que julgam os que se atrevem a mudar o rumo da sua vida de modo tão drástico, não teriam tanta inveja oculta dos loucos que
“jogaram diploma e carreira no lixo”, se refletissem um pouquinho mais. Se conhecessem nossas lutas e conquistas. Talvez, aos poucos, eles chegariam a conclusão de que loucura é desperdiçar tanto tempo tentando atrapalhar o voo do outro, ao invés de simplesmente aprender a voar.

Lycia Barros
Escritora e conferencista

Jornal Olhar

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