Ser português…

Por esses dias recebi um precioso papelzinho, tão esperado por mim há dois anos. Nele dizia que, a partir de agora, possuo a nacionalidade portuguesa. Para muitos, isso significa apenas um passe de entrada para outros países europeus. Para mim, no entanto, não foi bem assim. Eu verdadeiramente amo este solo lusitano, que para mim é um pedacinho separado do Brasil. É claro que, em termos culturais e em raiz de afetos, sou e sempre serei brasileira. Entretanto, ao segurar aquela nova realidade nas mãos, senti-me realmente comprometida com esta nova pátria, que há tanto tempo já chamo de lar. Foi como um casamento, como se Portugal tivesse colocado uma aliança dourada no meu dedo. “Vem aqui, o pá, que agora tu és das nossas”.

Aqui já sofri, chorei e sorri. Tive que me reestruturar de decepções, me alegrar com novas descobertas, adaptar o paladar e a maneira de ouvir português, além de encher a minha vida com novos amigos… Como, pois, poderei eu retribuir tanto crescimento pessoal a este povo que me adotou como sua?

Amando-os, incondicionalmente. E honrando a confiança pela nacionalidade concedida.

Não, os portugueses não têm a organização dos suíços, muito menos o rigor dos alemães, a pontualidade britânica, a meticulosidade francesa, ou a riqueza dos escandinavos, mas, sem dúvida, são o povo mais simpático e acolhedor da união europeia.  Francos e sinceros além da conta, dão pitaco em tudo que você está fazendo na rua, mesmo que não te conheçam. Em regra geral, sempre com as melhores das intenções.

 Aprendi a admirar a força das mulheres portuguesas, incansáveis, que com tanta graça e amor sabem ceder um punhado de limões recém colhidos para a vizinha e ficar lá por meia hora para conversar. Ser portuguesa é ter receitas para tudo! Desde um bom borrego para o natal até um xarope caseiro a base de mel. É ver novelas brasileiras e nomear os filhos com os nomes de nossos artistas…

Ser português é falar alto na rua e nos restaurantes sem notar, não é a toa que somos países irmãos. É ter uma terra cheia de qualidades e muitas vezes reclamar dela,  até vir alguém de fora criticar qualquer coisa. Ficam furiosos! São hilários. Talvez seja o sangue quente que lhes corre na veia, arrefecido por uma ditadura.

Ser português é comer churros em, literalmente, todas as festas de rua. Ter mais prazer em saborear uma bifana do que ir em um restaurante gourmet.  É beber vinho, cerveja e aguardente com as combinações mais inusitadas possíveis. É ter orgulho em sê-lo mesmo quando se passa mais da metade da vida em outro país, para garantir a aposentadoria. É emocionar-se com fado, ter saudades de um tempo que já se foi. É crescer cercado por sopas, cafés e cigarros na esplanada com os amigos. 

Ser português é se oferecer para ajudar só porque se simpatizou com você. É  achar que ser advogado ou doutor é melhor do que ser pasteleiro ou agricultor, mas gostar mais de bolos e batatas do que tribunais e hospitais. É fazer o próprio azeite, plantar o próprio vinho.

Ser português é ser incoerente, pessimista quando as coisas estão boas e optimista quando estão más. É ter milhões de poetas no meio dos seus, e outros milhões de navegadores a homenagear. É discutir por causa de futebol ou lugares de estacionamento. Acelerar com tudo e ficar chateado se for multado. É sentir os olhos aguados ao ouvir o hino, dizer que é o mais bonito de todos. É meter uma bandeira na janela e deixar a porta aberta para quem quiser entrar. Ser português é gritar com a selecção, só pelo orgulho de ser português

São tantas as peculiaridades que aprendi com essa gente, tantas as diferenças que me fizeram sorrir, engasgar e passar a ter um novo ponto de vista. E tantas as semelhanças e carinho deles com a minha terra natal. O sonho de todo português é pisar um dia em solo brasileiro.  É por esses e tantos outros motivos que sim, tenho muito orgulho de ser agora uma luso-brasileira. Não por conta do tão almejado passaporte vermelho. Não serei portuguesa somente nos documentos, mas também no coração. A parte mais corajosa de mim me fez um dia atravessar o oceano para cá e a parte mais forte de mim vai me ajudar a contribuir para que este seja um país melhor, ainda que, mesmo olhando de longe, meu coração sempre vá retumbar em um ritmo de música baiana.

Lycia Barros

Escritora e conferencista

Jornal Olhar

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